Um Trago de Palavras
É hoje que deixo de contar os dias
pelas noites. Pela primeira vez, em alguns meses, irei acordar de um sonho que
pensei que nunca pudesse vir a acontecer.
Hoje, dia 25 de Julho, pelas 18h30,
apresentarei ao mundo o meu primeiro livro.
Dentro de mim há coisas a
acontecerem a um ritmo que não tem luz que o mensure. São coisas que foram
crescendo comigo, desde que aprendi a falar, desde que aprendi a escrever.
Em pequeno, quando ainda sabia
pensar por mim, talvez tenha imaginado algo similar. Tenho a certeza que todas
as histórias que escrevi em miúdo, foram o inicio de todas as outras que o meu
adulto inventou. Em pequeno sabia mais palavras que hoje, inventava-as sem medo
que ninguém as compreendesse. Nessa altura os livros conversavam comigo. Não fazia
ideia, nem queria saber quem era o Robert Louis Stevenson, mas a Flecha Negra
era um mistério que queria terminar de escrever. A Ilha do Tesouro era o João e
eu era o João, e o meu amigo era o capitão Flint. Os livros conversavam comigo.
Agora que cresci, os livros deixaram
de conversar comigo. Sou eu que escolho os diálogos, os lugares, as aventuras.
Já não é como quando eu me apaixonava no recreio e escrevia poemas cheio de
dores futuras. Já não é como quando eu escolhia uma pedra ao acaso e lhe inventava
uma magia que chegava a existir na folha. Já nada é igual.
Penso em tantas coisas. A noite sei
que vai ser longa e eu penso em tantas coisas.
Faltam-me as palavras, assumo que me
faltam as palavras. No dia em que prometi a mim mesmo que não me faltariam
palavras, elas falham-me.
Tenho uma noite pela frente, sozinho
em casa, no silencio de mim mesmo. E no entanto, sozinho, sei que vai ser uma
noite muito bonita.
Penso nas pessoas que estiveram
comigo, as que ainda estão. Penso no meu tio Adriano que ainda é uma criança,
que estará alguns por Trancoso a sorrir sem lábios, a ser maior que todos os
outros que nunca se esquecerão dele. O meu tio Adriano que consegui
imortalizar, eternizar no meu livro. O meu tio Adriano.
Penso na minha mãe que sei orgulhosa.
Ela que me ensinou sempre que o amor é mais importante que tudo o resto. A
minha mãe que será sempre muito mais do que palavras.
Penso nos meus irmãos que nunca me
deixaram crescer.
Penso no João Alberto, o pai que
sempre me fez falta. Ele, o João Alberto que tantas vezes digo, que tenho pena
de não o ter conhecido em criança.
Penso na minha família, no Natal em
que juntos permanecemos.
Penso nos meu primo, no meu grande
amigo Gonçalo, que me explicou sempre que pensar é a maior ferramenta de todas.
Penso nos meus amigos de ontem, os
mesmos de hoje. A eles que devo a minha história completa.
Penso nos meus jogadores, os que se
tornaram homens de valor, e os outros, que continuam a crescer rumo a sonhos
ainda maiores que os meus.
Penso nos meus alunos, tantos, ao
longo de estágio em que fui criança novamente. Junto a eles sempre fui um
deles. Sempre.
Penso nas pessoas que gostei, que
gosto. As que amei num tempo distante. As que amei por eternidades prometidas.
As que amei com toda a verdade que sei existir.
Penso nos escritores todos que
aprendi a ler.
Penso nas pessoas que se foram
perdendo nas horas. As pessoas que nunca esqueci o nome. Nunca me esquecerei
dos nomes. Nunca me esqueci das pessoas.
Penso na minha infância, essa que me
prometeu tanta coisa, que me deixou cumprir tanta coisa. A minha infância que
foi uma ternura deslizante, iluminada, quase sempre iluminada por tantas coisas
bonitas. Lembro perfeitamente o dia em que comecei a escrever. Foi na infância
que escrevi os primeiros contos de amor. Sem nexo, tal qual como devem ser.
Contos que tinham a essência dos de hoje. Nesses contos havia sempre um final
infeliz, apenas porque só assim deixariam algo em que pensar. A minha infância
foi ausente de infelicidade.
Penso na pessoa que sou. Uma frase
sempre a escrever-se dentro de mim: o homem que sou, não envergonha a criança
que fui.
Penso em chorar porque me ajuda a
imaginar.
Penso na solidão. Há sempre
melancolia na solidão. Há vozes que me falam no fundo da solidão. Nunca estou
só.
Penso no que escrever e nada surge
porque neste dia o meu sonho maior vai acontecer. Tudo acontece sem ser
pensado. Acontecer é deixar-se pensar.
Obrigado a todos.
Bernardo Tomé, 25 de Julho de 2012.
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