O dia da criança
Não
me ensinaram a ser adulto, deixo-me criança então.
As crianças não sabem o que é o
tempo. Entre elas e o tempo, não há passado, o futuro não vai acontecer. Existe
o presente. Para as crianças, o passado foi uma coisa que nunca se passou, o
futuro são dias inteiros que não sabem contar.
As crianças sonham o presentes. São
elas as únicas a que se lhes permite sonhar com o que está a acontecer. Os
sonhos são um presente constante, o hoje é o sempre. Os sonhos acontecem mesmo
antes de serem pensados, sonhados.
As crianças não têm idade porque não
têm tempo. Há meninos e meninas que sabem dizer a idade com os dedos das mãos,
desconhecendo que poderiam contar mais ainda com os dedos dos pés. Mas aí
seriam muitos anos e uma criança só sonha com os números que têm nas mãos.
Na televisão não passam jornais ou
noticias, apenas desenhos animados ou adultos que nunca cresceram. A Troika é
um planeta onde habitam seres maldosos. O orçamento de estado é um tratado do
príncipes que sonham ser reis. No munda das crianças não se fala de coisas
sérias, não há tempo para fatos completos ou gravatas importantes. A crise de
escala mundial é um acontecimentos que lhes passa ao lado, como se a palavra
crise fossem brócolos e verduras que nunca lhes apetece.
As crianças não querem ser adultos.
Tenho ao lado dos olhos uma menina e
um menina a dialogarem:
- Queres ser minha namorada?
- E como é isso de ser namorada?
- É sentar ali na relva e ficar de mãos dadas.
- Eu quero muito!
E num instante compreendo que estamos a fazer tudo mal. Olho
em volta e nenhum de nós se senta na relva. Talvez o medo do sol muito baixo.
Talvez o medo do vento nas costas. Talvez a vergonha do verde relva nas calças.
Talvez a vergonha de sermos irresponsáveis.
Penso para mim: as crianças estão a deixar de ser o melhor
do mundo; estamos a destruir a descoberta guiada; neste fio condutor que nos
empurra para velhos, esquecemo-nos todos os dias que podemos parar o tempo.
Ouço de novo a conversa do menino e da menina, já sentados
na relva de mão dada:
- Nas próximas eleições achas que a esquerda terá maioria
absoluta?
- Como burguesa assumida, espero que não!
Não parámos o tempo. A certeza de que ele passou está nas
crianças que crescem. A inocência é um passado que se vai esquecendo e as mãos
já não se encontram. A relva secou porque ninguém mais a pisou, a ingenuidade
deixou de a visitar, os sonhos nunca mais se realizaram.
Eu deixei-me crescer sem entender o porquê. Tenho as cotas
tortas, uma amargura que se curvou pelo meu corpo inteiro. Um dia adormeci para
logo depois acordar sem sonhos. Escrevo coisas. Engano-me a escrever sobre ser
criança no dia da criança e apercebo-me que ninguém me ensinou a ser adulto,
que por mais que tente, não voltarei a sentar-me na relva, de mão dada com o
primeiro amor, aquele que nunca se devia ter esquecido.
nunca esquecemos o primeiro amor
ResponderEliminarvivemos a vida inteira de mão dado com ele, sentados na relva, o vento no rosto, o olhar puro, o sorriso doce, o que nos deixa saudade e não pode nunca nos fazer mal
só saudade
e é tanto
achas que alguém aprende a ser adulto?
penso que de repente reparamos que já não somos as mesmas crianças de antigamente...
só isso
e já é tanto
abraço.
adorável ler-te.