De como aproveitei a folga

acordei cedo ao lado do amor. abri os olhos devagar, como se o acordar fosse naturalmente poético. dois beijos e um abraço antes de me vestir.algumas palavras perdidas no cobertor e a manhã lá fora a dizer tantas coisas.

um café à janela enquanto as pessoas se passeavam para o trabalho. ouvir música para que os vizinhos pudessem adivinhar que eu estou vivo. volume a meio gás e um despertar vagaroso pela cafeína. 

mais boa música e a manhã ainda cedo. um corte de cabelo habitual. barba por fazer e o exercício todo que me é permitido pela minha condição. 

antes de sair de casa, tempo ainda de rever os livros que comprei e que ainda não arrumei na estante

memória de elefante, os cus de judas. antónio lobo antunes.

debaixo de algum céu. nuno camarneiro.

peter pan. james matthew barrie.

estrela polar. virgilio ferreira.

servidões. herberto helder.

tantos livros e tão pouca vida para os ler. mas esta manhã é diferente. há demasiada vida para poucos livros. por isso deixo a minha casa e aproveito o resto da vida que me basta, para escrever que no dia de folga os minutos passam cada vez mais devagar porque eu talvez consiga ser eterno.