De como nasci hoje
dia vinte e cinco de maio, faço trinta anos e acabei de nascer. sou um futuro escritor que se vai sempre adiando porque a obra prima tarda. escrevo palavras como quando não sabia ainda escrever. palavras pequenas que apenas as crianças entendem. palavras que querem dizer o mundo e a infância que nunca se foi.
estou a nascer e já vi tantas coisas bonitas. como o rosto cândido da minha mãe quando sorri. como a minha irmã cada vez mais menina. como o meu irmão a brincar pelos dias e a ser o meu amigo de sempre. como as minhas sobrinhas a nascerem em todas as manhãs.
as coisas bonitas que os olhos encontram ficam tão dentro que são o mundo que se habita na pele. e eu vi tantas coisas bonitas nestes trinta anos.
estou a nascer com esta idade e ainda me comovo a ouvir Toquinho, quando a Aguarela me entra pela janela. ainda sou o Eduardo Mãos de Tesoura que é sempre incapaz de estar no meio da gente que não o compreende. ainda estou a ler as letras do quadro da escola sem imaginar que um dia talvez elas me levem pelos passeios da literatura.
tenho trinta anos e olho para a minha fotografia mais antiga. sou eu. eu sei que ainda sou eu porque os olhos iguais. a mão tímida e demasiado pequena. a ternura leve de não saber que amanhã pode nunca chegar. porque o amanhã não existe no coração das crianças.
mas ainda assim, a pergunta:
- onde estás tu Bernardo?
- estou aqui. estou aqui. não me deixes crescer. estou aqui e não quero crescer.
não sei quem responde. talvez o outro que vou deixando. aquele que trago sempre que escrevo. aquele que existe em todas as histórias que cabem no meu caderno.
faço trinta anos e por vezes, no silencio da minha casa, penso que isto que acontece é uma história que escrevo na escola, na composição que a professora pediu que escrevesse. sou eu menino, a escrever a lápis tudo o que vai acontecendo. a escrever uma composição cheia de coisas bonitas que têm passado por mim...
como o rosto cândido da minha mãe quando sorri. como a minha irmã cada vez mais menina. como o meu irmão a brincar pelos dias e a ser o meu amigo de sempre. como as minhas sobrinhas a nascerem em todas as manhãs.
e deixo a criança do passado a escrever. ela saberá o que fazer de mim.
parabéns Bernardo!
ResponderEliminar... e tu estás aqui, connosco, menino ainda, igualzinho, apenas um bocadinho mais crescido.
que esse menino sempre te habite!
beijinho.