Uma pessoa como nós



pois é meu velho, escolheste este dia de propósito. sabias que ela estava longe, que não poderia despedir-se de ti. preferiste assim, porque nunca conseguiste resistir à ternura daqueles que te queriam perto.

mas foste malandro até aos últimos dias. de certeza que andaste a passear as patas pela tua casa. e que casa enorme era a tua. um campo estendido, todo para ti. sei que foste malandro até ao fim. que ainda deixaste a tua posição nas galdérias dos ricos. que a tua malandrice resistiu ao fôlego e divertiste-te até ao fim.

parece que te vejo a ires ao café à procura das mãos e dos doces. a olhares para cima à espera do João. a veres as mesas vazias e a espera sempre demorada das pessoas que tardavam chegar. no mesmo lugar onde observas as perdizes e te questionas:

- se fosse no tempo do Lambuças, haveria de ser bonito. não havia perdiz, rato ou gato que nos escapasse.

pois é meu velho, nem quiseste esperar mais.

conheci-te quando ainda nem sabia correr. e hoje que partes, continuo sem saber correr com a tua dignidade, com a tua classe.

se ao menos soubesses falar. tinhas ouvido tantas coisas bonitas. que viveste dezoito anos. que tinhas de viver ainda mais. que a tua sombra ainda está por lá, nesse campo estendido. que ainda haverá quem tenha medo dos teus dentes. que a ti só te faltava o fato e a gravata para seres como nós.

adeus meu velho. nós vamos a caminho.

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