Ao Mário Cezariny de Vasconcelos
aquele corredor minúsculo onde pintavas as paredes, tão pequeno que os pincéis de anões. a tinta escorria do tecto para o chão e nem chegava a pingar porque tu invertias tudo e não havia gravidade.
Mário. posso chamar-te Mário? Cezariny parece estrangeiro e tu és nosso. português. quero chamar-te de Mário porque és serralheiro e moras na rua das biscoiteiras. trabalhas por conta própria e pintas os recibos verdes de azul para estares mais perto do mar.
Mário. és o artista cá do bairro. as meninas pedem às mães para te irem ver da janela. a olharem de cima para ti que esculpes deuses com os restos de chuva. nem percebem que és delicado. querem ver-te da janela só para poderem gozar com o teu falar.
(estúpidas)
tu gostas de falar devagar, arrastado. e é incompreensível para os barulhentos que possas ter a língua como um pincel.
meu caro desconhecido Mário. gostava que pudesses visitar-me. talvez tenhas tempo no teu pulso para vir a minha casa desenhar uma aldeia que ocupe as divisões todas. uma aldeia como a da infância que por vezes lembro.
(estúpido. sou estúpido por acreditar que os poetas não morrem)
nasci tarde demais. quando perdeste o sinal, a vinte e seis de novembro de dois mil e seis, eu não queria saber das palavras bonitas. eram de outra cor as palavras. dizia-as, mas não as dizia bonitas.
foram sempre poucas as palavras dentro de mim.
Mário. posso chamar-te Mário? só desta vez. quero que se lembrem de ti. como eu me lembrei ontem, ao passear por Sintra, quando te encontrei perdido no meio de desenhos, junto com o Agostinho e o Eugénio. estavam os três tão mortos quanto a vida. silenciosos numa galeria de artistas que nunca ouviram dizer que as palavras são mais bonitas em papel.
Mário. meu caro desconhecido Mário Cezariny.
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