Eu esperei por ti nessa noite triste




Eu esperei por ti nessa noite triste. Na hora que estipulámos, no sitio exacto em que jurámos. No mais alto da nossa cidade, no cume de todas as nuvens e onde a noite não nos visita. Eu estava lá, estive na espera a noite inteira. E tu sem apareceres.
Tenho a consciencia ténue de que tínhamos selado um acordo. Eu esperava, tu aparecias, nós ficávamos, permanecíamos. Seria tão simples como a Primavera. Eu esperava, tu aparecias.
Virei à esquerda, à direita para ti. Voltei a virar, desta vez para a direita, à esquerda para ti. Encostava à direita, à esquerda para ti. Parava o carro, desligava o motor, acendia um cigarro e até o cigarro libertar fumo era tempo. Enquanto o cigarro não se apagava a espera podia demorar. Tu acabarias por surgir nas curvas, com a tua matricula LF. Eu só tinha de aguardar um cigarro, nada mais. E tu haverias de surgir.
Mas eu fumei dois maços inteiros, mais exactamente quarenta cigarros, ainda que de marca light: Chesterfield azul. Fiquei com a garganta tão seca que me custava a engolir as lágrimas que cuspia dos olhos. A cada cigarro que apagava, logo acendia outro, na ânsia, só e apenas na ânsia de que fosse aquele o último cigarro que te traria. Mas o tabaco foi-se acabando, a minha esperança foi-se desbaratando em justificações. Até esmaguei os maços para não te lembrar. Mas eles ali, caídos ao lado da minha janela meio fechada. Azuis, como os teus.
Ouvia no leitor de rádio um CD com as nossas músicas. Aleatoriamente, elas eram frases pequenas que me cantavas quando entravamos no duche. A tua voz que nunca soube apreciar mas que agora me traz tanta falta. As musicas agora remetem-me para o teu corpo a fazer-se cascata e um sabor tão intenso na minha boca. Pequenas lembranças de alguém que te ama verdadeiramente.
O meu carro tem a luz fundida. Faz um escuro de morte que só se apazigua com os candeeiros lá de fora. Quero e tento ver o rio no infinito dos meus olhos, mas está demasiado escuro, dentro de mim e fora de mim. A noite surge e eu tenho a arrogância de a mandar embora. Vai-te embora noite. Mas ela não me ouve e tarda em ficar. Para me atormentar, para me roubar.
Eu esperei por ti nessa noite triste.
Culmino os meus gestos numa tristeza profunda. Resvalo-me para aquele dia em que prometemos voltar àquele exacto sítio. Nesse resquício de memória nós não fizemos amor. Não penetrei dentro de ti. Tu não me deixaste entrar dentro de ti. Num um único beijo trocámos. Foram só palavras. A minha mão não se aventurou nas tuas coxas. O meu olhar não se definiu no teu peito. Foram só palavras. E eu pensava que isso bastava. As nossas palavras. O melhor de nós sempre foram as palavras e a compreensão do discurso. Eu ouvia e tu sabias o que dizer. Tu ouvias e eu sabia sempre o que te contar. Fomos sendo perfeitos nessa simbiose. Pelos vistos, estava errado.
Dentro de mim, tu já não vais aparecer. É fácil perceber isso. O teu silêncio já se prolonga há demasiadas décadas. É um silêncio que não deixou eco. O teu silêncio é como um piano em que as teclas não têm som. Um silêncio que me custa tanto a ouvir.
Agora percebo que foi uma pequena mentira entre nós. Mas apenas tu mentiste. Eu jurei voltar. Tu apenas prometeste voltar. Uma pequena mentira que agora me entristece de uma maneira demoníaca. Eu sou uma tristeza sem retorno.

Vou a caminho do meu terceiro maço de tabaco light: Chesterfield Azul. O CD vai repetir as faixas todas de novo. A luz do meu carro continua fundida. O silêncio é agora cada vez mais silencioso. Eu continuo numa espera inocente, uma espera parva. A manhã está a nascer. Sei que mais tarde ou mais cedo terei de ligar o motor do carro e voltar para a casa que não é a tua, não é a nossa. Mas até aí, nesse instante, eu olharei para os lados na expectativa de que surjas por entre o silêncio e me acalmes. Se isso acontecer, serei feliz.

Eu esperei por ti nessa noite triste. Mas tu nunca apareceste. Nunca apareceste para me acalmar. E eu nunca mais fui feliz.

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