Um adeus de abraço


  


          A asa direita tem traços de vanguarda. Da janela mínima de vidro triplo o mundo parece pequeno demais para que o sonho se faça vida. Mas dentro do Mateus existem muitos sonhos. Dentro do Mateus há uma vida para ser cumprida. Dentro do Mateus a vida é o sonho.
            Desce a escadaria do avião e já não é seu o país que tem aos pés. Esta nova morada é menor, mais fria. Desce a escadaria do avião e desconhece este país.
            O aeroporto fala a mesma língua. As pessoas que andam pelo aeroporto falam a mesma língua. O português é a sua língua.
            Os táxis são amarelos, são pretos, são preto e verdes. Não sabe em qual deles tem de entrar. Sabe apenas que tem para onde ir e desconfia que ninguém saiba de onde veio.
            O destino é Carnaxide e o peso da sua bagagem diz-lhe que tudo é possível.
           
            Já de afeiçoou à nova moradia. Conheceu até algumas pessoas. Mas o sonho ainda não existe. O futebol. Esse sonho de muitos meninos. O futebol ainda é um longínquo lugar dentro de si.
            Em conversa com um amigo descobre que em Algés existe um clube. Vestem de negro e branco.
            O Mateus já se imagina vestido de negro e branco. Já é ele todo o meio campo de um futebol que não faz ideia que possa acontecer. O futebol.
           
O verão é uma fronteira igual à sua. É calor em Portugal. A praia corre numa praça qualquer e o Mateus sente que o Brasil veio para ficar. O mar é menos paradisíaco, mas a bola rola da mesma forma, por entre dunas, areia fina. O futebol é o verão e a praia.
O Mateus agora já é conhecido com o Zuka. Tem um novo nome porque os amigos querem que ele saiba que a amizade existe. Zuka simboliza a casa mãe. Zuka é o nome de todo o calor que acontece dentro do peito do Mateus. Quando lhe chamam de Mateus ele já não responde porque em Portugal ele não tem mais esse nome. Zuka. Mateus Zuka.
O verão quer terminar. O verão quer terminar e um novo clube no horizonte do Zuka. O Sporting Clube Linda-a-Velha surge num diálogo entre conterrâneos. Numa conversa como tantas outras, o Zuka percebe que existe um clube que veste de vermelho e branco. O Zuka já se imagina vestido de vermelho e branco. Já é ele todo o meio campo de um futebol que não faz ideia que possa acontecer. O futebol.

O tempo faz-se depressa. O Mateus já não é Zuka. O Mateus já não é apenas Zuka. É Mateus, Xerife, Zuka, Patrão. Ele tem todos os nomes que possam adaptar-se ao seu futebol. Ele já veste de vermelho e branco e já entende o futebol, a amizade, o balneário, os colegas.
O Mateus ainda não jogou mas já é capitão de equipa. Ele conquista os treinadores com o seu jogo feito de briga e malandragem. Ele conquista os colegas com jogo de força e dureza. Ele conquista o balneário com histórias de vêm de longe, desde a sua terra natal. Ele conquista o clube porque é simples e o mundo tem sempre lugar para a simplicidade.

Entre os amigos acontecem os melhores lugares. O Mateus está entre amigos e ouve alguns a cantarem. No desafio de uma equipa, no desafio de uma canção ele orgulha-se dos sorrisos e de todos os que partilham a mesa com um desconhecido que veio do Texas. O Mateus entende a felicidade porque o futebol trouxe-lhe a amizade de uma equipa que o percebe.

O Mateus nunca tinha conhecido o Seixal. Entrou tímido e a grandeza do Sport Lisboa e Benfica soava-lhe de madrugada. A fama de um clube que ouviu falar era todo aquele esplendor de campos no Seixal.
A camisola 6 não pesava. O lugar no meio campo era o seu sonho tornado realidade. O Mateus era o líder do miolo e a sua voz ecoava por todos os campos de futebol. O eco da sua voz chegava ao Brasil. O eco da sua voz chegava à lua. O eco da sua voz era toda a vontade que tinha. O eco da sua voz era a força intrínseca que o fazia renascer.
Um golo. De cabeça. Um canto marcado por um amigo e um golo de cabeça. Ele merecia mais do que ninguém aquele tento. E o festejo. Uma energia que fugia por paredes que não existiam, por barreiras que separam os mundos, por mares que separam os continentes. Um golo que lembrava os seus familiares, os seus amigos. O Mateus marca e tudo era bonito.

O Mateus sorria.
Uma notícia.
O Brasil.
O regresso.
O seu país chamava por si. O Mateus tinha de regressar à sua pátria.

Dentro da grande área, na marca de penalti. O Mateus, ou o Zuka, ou o Xerife, ou o Patrão, ia marcar e este seria o último pontapé junto dos seus colegas de equipa. E marcou. Atrás dele correram todos os amigos que fez. Atrás de si o Sporting Clube de Linda Velha. Atrás de si um país que vai sentir saudades.
O Mateus diz-nos adeus.
Adeus. Até sempre.
O Mateus guarda as últimas palavras e numa verdade incontornável:
- Voltarei como profissional.


Enquanto escrevo estas palavras, percebo que o Mateus vai a caminho de muitos sonhos. Percebo que também nós vamos a caminho de muitos sonhos. Percebo que todos os sonhos do mundo são pequenos comparados com as pessoas. Percebo que a amizade é a melhor parte da vida. Percebo que vamos todos sentir falta do nosso colega Mateus. Percebo que teremos ainda mais força. Percebo que vamos lutar ainda mais pelo nosso lugar, pelo nosso sonho. Percebo que seremos mais unidos que nunca. Percebo que seremos campeões de uma forma ou de outra. Percebo que tenho um orgulho imenso em todos.

Ao Mateus Zuka.

Comentários

  1. Muito obrigado mister vo levar com migo pra sempre
    Ass:Mateus Zuka

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  2. Lindas as tuas palavras...cheias de sentimentos puros, sem nada esperarem em troca.
    De facto simplicidade é ter sonhos, mesmo que não se realizem por alguma razão, ainda assim conseguiste passar a mensagem de que a vida não perde a graça e que apesar de nela existirem dias tempestuosos, se quisermos o nosso contentamento permanece inabalável.O teu Zuka voltará como profissional porque " as coisas mais simples da vida são as mais extraordinárias..." E tu...tu continuarás a ser o mister que o Zuka não vai esquecer.
    É sempre bom e uma surpresa agradável ler-te.

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  3. "as pessoas são maiores que os sonhos"
    tão lúcido.

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  4. ... completando...

    e há sonhos abismais, muito maiores que "pessoas maiores que sonhos"..., que destroem quase pela raiz, "pessoas maiores que sonhos", por vezes irremediavelmente.
    beijo.

    M.

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