O meu amigo político

    Tenho um amigo que é político. Não falamos de política. Discordamos. Na sua independência social-democrata, não nos atingimos. Na minha convicção marxista, não nos atingimos.

    Pouco me interessa quando o vejo na frente de um batalhão liberal. Sei que nunca ergueremos o mesmo punho no ar. As nossas cores jamais irão desaguar na mesma.

    Eu e o meu amigo entendemo-nos no futebol Temos clubes distintos, cores diferentes. Sempre as mesmas cores a divergirem. Mas entendemos que nunca festejaremos os mesmos golos.

    Somos diferentes.

    Tenho um amigo que é pai de dois filhos. Duas crianças na plenitude do crescimento. Duas crianças que conversam como dois homens de meia-idade. Duas crianças.

    O meu amigo é pai e demonstra que nesse espaço é a pessoa mais feliz. Tem nos dois filhos dois braços que gosta de segurar, como se fossem ele próprio.

Bem sei quando me explica sobre ele, sobre eles. Há, nesses momentos, uma ternura captada pela saudade. Quando o meu amigo não encontra o sorriso dos filhos, tem saudade, fazem-lhe falta. Os segundos são blocos extensos. Mas logo ele, que é um homem de acção, que penetra dentro dos mecanismos melancólicos de um relógio e volta a vê-los sorrir.

O meu amigo político é pai. Eu tenho uma amizade grandiosa pelos dois filhos. Sou com eles uma compreensão sem limites. Quando os vejo, aos três, sou os olhos que entendem as gerações. O teatro. Os artistas. A história. Serei sempre esses olhos. Mesmo quando mergulhamos por extremos opostos. Mesmo quando as redes se moldarem a esféricos de cores diferentes. Serei sempre esses olhos.

E ele será sempre político. Será sempre pai. Será sempre um teatro inteiro de gente a aplaudir a vida que segue.