A ternura



Sobravam horas a uma sala que se desfazia com o tempo. Eram alunos e um professor a queimar segundos de atenção. Um rumor de canetas e lápis que encontravam folhas de papel num deserto de palavras. Como um ditado primário que se ouve uma única vez, que se decora e se aprende de momento. Um professor orador que se explica em mil palavras que se fazem na obrigação de escrever. Alunos. Nós. Os alunos e nós entre eles, tão perto e tão distantes.
            Procuro na minha mesa algo que me permita existir escritor. Logo eu que sou todo palavras, logo eu que vivo das palavras. Falta-me um lápis, uma caneta. Procuro entre um papel que é um deserto sem palavras. Estou desarmado e os meus olhos não sabem existir assim.
            Sei no entanto, que naquele momento tu estás aqui tão perto. As minhas costas sabem que existem. Os meus olhos ainda não te encontraram. Os meus olhos ainda não sabem que as tuas pestanas são penteadas como cabelos na primavera. O ouro dos teus fios de cabelo é ainda uma leveza que a minha brisa desconhece.
            E tu ali tão perto de mim.
            Procuro-me perdido por um tempo. Ouço o professor mas falta-me o ar que me faz pessoa. Ouço o professor mas faz-me falta o teu falar que ainda não ouvi. Ouço o professor e tenho a memória inteira nas fotografias em que te descobri um dia: o teu cabelo decorado com uma borboleta; a suavidade da tua pele a preto e branco; o teu jeito desportivo num top violeta; o teu olhar sorridente, quase de chorar, com o mel a pintar as tuas pupilas; aquela praia que te traz num vestido que te oferece uma candidez terna.
            Ouso olhar para trás. Escreves tão bem e eu interrompo para te pedir favor, a olhar para ti, cedo ou tarde demais, a ver-te perto dos meus limites. Tu escrevias tão bem e estavas muito bonita. E eu interrompi a tua beleza para te desassossegar e perder-te de vista. Mas a tua ternura foi um limite que aprendi em segundos. Ofereceste-me o objeto das palavras e eu compreendi que a tua simplicidade era muito maior do que a beleza que sempre julguei banhar-te. De tal forma que a minha mesa seria pequena para os poemas que merecias.

Comentários

  1. não li, nunca, um grito de amor cuja beleza se aproximasse à deste que aqui escreveste.
    a gente lê e o olhar fica sedento, bebe e leva embora.
    lindo!
    adorei!
    beijo.

    noMar

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