A juventude

   


A juventude ainda não se perdeu. No pensamento do corpo-matéria de um jovem, existe sempre um limite que não se esgota. Infinita força que se move na fome intrínseca de uma sabedoria que se quer atingir.

Ainda há nas ruas de hoje, como de ontem, como de amanhã, rapazes e raparigas imberbes, virgens, que dançam nos prédios violeta da saudade, a carregarem nas campainhas e a fugirem na mesma dança. No jogo do toca e foge, qual Aniki-Bobó de Manoel de Oliveira, meninos que não dormem com medo de acordarem velhos. Às escondidas, debaixo dos carros, no alto das varandas, eclipsados para que a maturidade não os apanhe. Ao pé-coxinho, no baile de cordas e elástico, os mesmos meninos são uma revolução de uma irmandade que se cola em bisnagas e balões encharcados, coloridos.Na idade da inocente precisão de escolhas, a juventude rasteja em velocidade de carrocel, destemidos, contra uma corrente que lhes não interessa. Nas praias, constroem túneis na areia para que as mãos se encontrem no escuro e a amizade perdure muito além do amor.
É o fazer parte da juventude que se gabam, quando os matraquilhos saem fora das quatro linhas e o terror da adolescência os visita. São bares e musica já. Salões, boates, discotecas, o que seja. São os primeiros beijos, as mãos no peito quase despido, as mãos a descobrirem cheiros que só ouviram falar em filmes.
 A juventude está para durar porque ser lúdico é ser vida em si mesmo, é mastigar azedas pelo sôfrego de ser mais forte, mais amargo.
Ninguém pergunta aos jovens: posso jogar. Ser jovem é jogar a vida, fustigar o trabalho porque esse, só antes dos Esteiros de Soeiro.
            A juventude não abandona os lugares comuns porque são sempre únicos. A descoberta das palavras nos corpos nus de quem quer ser crescido, ser. Não há aflição que se assemelhe: perder lágrimas de antigos namorados que não se lembram. É a juventude. É sempre a juventude que se recorda o que são beijos sem fôlego, beijos de olhos fechados, no escuro, sempre no escuro, como as mãos nos túneis da areia, na praia.
            Passar agora à porta de uma escola e memorizar os rostos que já sabem tudo da vida e que, amanhã tudo farão para esquecer. Crescer. Fazer andar o ciclo e terminar os sonhos húmidos de loucuras que se cometeram na ânsia dos bons malandros que se divertem a brincar com a foice da morte.
            A juventude ainda não se perdeu. Nunca se perderá. Enquanto eu puder fazer a barba de manhã, calçar os ténis e as pernas não me pesarem, a juventude viverá dentro de mim e dos que ainda sabem que a existência pode ser interminável.

Comentários

  1. É linda a forma como usas as palavras.Fazem-me lembrar suaves melodias.
    Texto fantástico.

    R.

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  2. És uma pessoa bonita Bernardo.
    Daquelas de quem se costuma dizer que "já não se usa".
    A foice da morte brilha nas mãos de tanta gente que não quer permitir a juventude aos que se recusam a existir mortos. Mas essa foice é uma arma psicológica que não perdoa, é quase química e a morte acontece lentamente, a cada riso, brincadeira, traquinice apaixonada. Não, não é fácil ser jovem, as pessoas vão-se encolhendo, recolhendo, até que por fim se desiste, cada um à sua maneira...
    Domingo feliz, Bernardo.
    Abraço.

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  3. Adoro a forma como escreves,és tão intenso, natural, cercas a realidade com uma beleza única, que por vezes não é visível nem perceptível aos olhos de todos. É um bom lema de vida o último paragráfo. Concordo contigo. Por favor, continua a escrever. :))
    Sandra Marques

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