Aprender o amor




a primeira vez que te quis encontrar, como nas conversas em falésias, tinhas a companhia de uma máquina de fotografias. chamaste-lhe polaroid. era escuro e era noite. estavas sentada como não tínhamos combinado. quando desci para o cais do
sodré, já adivinhava muitas coisas em ti, mas longe estava de suspeitar que serias bonita mesmo sem rosto.

(ninguém se olha ao espelho de costas. ninguém sabe o que é gostar sem os olhos.)

eu soube naquela rua: gostava do teu cabelo porque escapava entre os espaços mortos do vento. o teu curvar para um retrato que querias memorizado. a tua polaroid. despreocupada se eu acontecia, se existia até, se gostava até. despreocupada com a inútil campanha de quem espera demais.

não chegaste a ver-me parado na esquina, a planear palavras bonitas, a escolher das paredes vadias algum coroar da poesia, a enternecer-me na medida dos palmos que estariam sempre errados porque nunca haveria métrica no nosso encontro.

queria ter-te tocado no ombro, mas os meus passos tremiam o que as palavras não conseguiriam roubar.

- olá Soraia.

soltaste a tua máquina de fotografias. deixando cair sobre o teu peito e os teus olhos pareciam máquinas de gravar memórias. disseste o meu nome e tudo o resto fui esquecendo. como se esquece um poema que nos bastou guardar uma vez e se ergue de um fosso interior sempre que necessário.

tinhas na mão um rolo de coisas gravadas. um rolo de passado. um rolo de um grande amor que se perdeu. um rolo que a tua mão destruía.

(eu imaginei-te a destruir o rolo.)

ao teu lado, uma fotografia que consegui imitar quando encontrei os teus olhos. pestanas penteadas pela tarde-noite. e eu a saber, pela primeira vez, como criança, que os olhos contam histórias silenciosas. os olhos são a memória que nunca nos faltará.

gostei dos teus olhos antes de gostar de ti. gostei dos teus lábios muito antes de conhecer os teus olhos. gostei de ti quando descobri que nunca tinha gostado de ninguém.

e virei a esquina novamente, não sem antes ouvir a tua máquina de fotografias num barulho que tenho a certeza de ter sido o eco da juventude que aprende o amor.

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